Dante Filho*
Nós não queremos explicar nada; queremos confundir tudo. Resumindo, esse parece ser o ponto central da idéia em torno da divulgação de pesquisas eleitorais no Brasil este ano. Não podemos afirmar com absoluta certeza que o procedimento é deliberado ou fruto de uma inadequação entre a metodologia dos institutos e a dinâmica da sociedade. O fato é que as pesquisas erraram feio no primeiro turno e agora ninguém garante que elas estão acertando.
O mais estranho é que, mesmo assim, considerando o ambiente de dúvida e desconfiança, o brasileiro parece ter um problema de memória. Se os principais levantamentos mostraram discrepâncias inaceitáveis nas primeiras rodadas eleitorais, porque a maioria dos analistas e dos interessados no dia a dia da política continua a se pautar (e acreditar piamente) pelas pesquisas no segundo turno?.
O auto-engano é uma doença social que merece investigações mais sérias. Na falta de instrumentos palpáveis de leitura da realidade geral, as pessoas se apegam a qualquer coisa que possa significar algum tipo de “verdade”. Só que as pesquisas – principalmente as realizadas ultimamente no Brasil – enfrentam problemas sérios não só de credibilidade como de consistência metodológica.
De modo geral, há dois tipos de metodologia sendo aplicadas pelos institutos no atual processo eleitoral. O Vox Populi e o Ibope – ambos contratados pelo PT para levantamentos internos (cujos valores contratuais são desconhecidos e não divulgados) utilizam pesquisas por cotas com entrevistas domiciliares.
O procedimento é o seguinte neste caso: antes de começar o rol de perguntas sobre o objeto da pesquisa eles gostam de “esquentar” o entrevistado com perguntas que, na verdade, induzem respostas automáticas. É aquela história: se você responde que não gosta do amarelo na primeira pergunta, fica chato (até para não cair em contradição) afirmar logo em seguida que prefira qualquer fruta com a mesma cor. Enfim, pegadinhas.
Outra coisa: pesquisas domiciliares são problemáticas. Se determinada pessoa prefere um candidato A e sabe que o pai ou o irmão mais velho preferem B, certamente na hora de responder muitos sentem-se intimidados em ser absolutamente sinceros. E aí preferem dar uma resposta que agrade a família, mesmo que na urna mantenha o voto de sua real preferência.
Mais ainda: mesmo que a pesquisa do IBGE tenha outra amplitude e objetivo, este ano o noticiário foi farto em mostrar as dificuldades de acesso dos pesquisadores a bairros extremos das periferias e em condomínios de luxo das grandes cidades. Se isso ocorre com o IBGE, imagine com o Ibope? Como os institutos resolvem esta dificuldade já que as pesquisas tem prazos para serem entregues? Mistério.
Diante destas dificuldades os erros se apresentam de maneira irrecorrível. Não há como deixar de prevalecer viés quando a realidade é adversa ao modelo de aplicação das pesquisa. Por isso, quando se apuram os votos as discrepâncias são imensas e os institutos dão as desculpas mais esfarrapadas confiando na memória curta das pessoas.
O Datafolha tem um método diferente. Não faz pesquisa domiciliar. Os questionários são aplicados nas ruas, permitindo que o entrevistado externe suas opiniões o mais livremente possível. Mesmo assim as respostas podem ser desatentas, sujeitas a maior mobilidade (o entrevistado está com pressa para pegar o ônibus, por exemplo), o que leva a um certo padrão de inconsistência.
Além disso, o correto seria realizar este tipo de pesquisa Estado por Estado e não por regiões como atualmente. Alguém acredita que a realidade cultural do centro-oeste tem alguma coisa a ver com o norte. É possível comparar o Rio de Janeiro com a região de Ribeirao Preto, todas enquadradas como sendo o “sudeste” do País?
Diante disso e de tantos outros fatores, as pesquisas são retratos nebulosos. Elas podem significar muitas coisas, podem indicar isso e aquilo, mas não são dados absolutos. O mais complicado é o fato de os levantamentos não conseguirem diagnosticar com clareza os índices de abstenções, o que faz com bagunce profundamente o cientificismo dos levantamentos.
Resumindo a opereta: se um instituto diz que há diferença de 10 pontos percentuais entre um candidato e outro, o mais provável é que eles estejam empatados caso as campanhas estejam acirradas. Se a divulgação começa com a frase “se a eleição fosse hoje”, desconsidere, porque essa é a grande armadilha dos picaretas. Se eles insistirem em carregar os números dos votos válidos, desligue a TV, isso é enganação simplesmente porque é impossível saber de antemão quantos eleitores comparecerão às urnas.
No fim, fiquem todos certos: pesquisa é fotografia desfocada. A gente vê a imagem das figuras embora não saibam quem elas sejam. Depois de apurada as urnas, tudo fica mais claro. Uns choram e outros cantam. Mas isso não tem nada ver com a mercadoria oferecida pelos institutos no grande balcão de negócios que se tornou o processo eleitoral.
*jornalista
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